A
exibição de filmes de produção nacional por, no mínimo, duas
horas mensais, agora é obrigatória nas escolas de ensino básico. É
o que determina a lei 13.006/14 sancionada pela presidente Dilma e
publicada no DOU no dia 27/06/2014.
Estamos
entrando no coração das trevas, como diria Joseph Conrad. "Por
quê?" você diria. Primeiro, leia isso aqui (os trechos que não
estão em negrito foram tirados dos artigos listados no final
do post):
Pelo
menos 43 mil escolas brasileiras não estão preparadas para atender
à nova lei que determina a exibição mensal de, pelo menos, duas
horas de filmes produzidos no Brasil (Lei Federal [13.006/14] em
vigor desde 26/06/2014, foi publicada no dia 27/06/2014 no Diário
Oficial da União.). O número corresponde às instituições que não
têm televisão, de acordo com o Censo Escolar de 2013. O número
aumenta quando se trata de aparelhos de DVD – do total de 190,7 mil
colégios, mais de 48 mil não têm o equipamento. Em relação aos
retroprojetores, que também podem ser usados na exibição de
filmes, apenas um terço (63 mil) tem o equipamento.
Isso
já é um fator bastante negativo, já que a lei, que em tese, é
para todas as escolas, só vai poder ser cumprida nas escolas MAIS
RICAS, de regiões MAIS RICAS. Ou seja, não vai ser algo feito de
maneira realmente democrática e igualitária, vai ser feito nas
coxas, como tudo aqui no Brasil.
Outro
ponto:
Para o professor da
Universidade de São Paulo (USP) Marciel Consani, a exibição dos
filmes em todas as escolas do país será "uma tarefa
desafiadora". "Não há um hábito de ir ao cinema para ver
filme brasileiro", diz ele, que é especialista em
educomunicação. "A escola é uma plataforma interessante para
criar esse hábito. Mas isso tem que ser feito da maneira correta,
amparada metodologicamente, para que não se consiga o contrário,
traumatizar os jovens com filmes maçantes e desinteressantes."
Um filme, segundo
Consani, é um produto indivisível que deve ser analisado como obra
completa. A exibição de trechos de filmes para que se dê tempo de
analisá-los em uma aula pode ser algo danoso. A sugestão para
tempos menores é que os professores escolham média e
curta-metragens. Outra preocupação é não usar como verdade filmes
que contenham erros históricos, por se tratarem de adaptações.
Usar
curtas e médias? Hum-hum... Segundo o professor, vai ser necessário,
além de equipamentos, um acompanhamento pedagógico afiado para que
isso não se torne apenas a "hora da soneca" para os
alunos. Coisa que nós já sabemos... que não vai acontecer. O
pessoal vai jogar um filminho (considerando que a escola tenha o
equipamento) e seja o que Deus quiser... bastante animador. Vamos
ressuscitar o Primo Carbonari (se não sabe quem é, dê uma
procurada no Google)!
Para
finalizar:
Ainda
que a cota de duas horas mensais não faça parte do planejamento das
escolas, muitos professores já utilizam os filmes nacionais para
complementar o aprendizado. Esse é caso do professor Renato de
Faria, que leciona filosofia e sociologia no Colégio Santo
Agostinho. Nas aulas dele, o filme sempre complementa a temática que
está em discussão na sala de aula. “O filme entra para
exemplificar. Depois, fazemos trabalhos e debates”.
O
Colégio Santo Agostinho é um colégio particular situado em bairro
de classe média de São Paulo, a cidade mais rica da Federação.
Muitos colégios já usam filmes como material didático para
discussão na sala de aula. O que determina o seu uso não é uma
suposta obrigação e sim o fato de que esses colégios têm DINHEIRO
para dispor desse método de ensino. Ou seja, não adianta sancionar
lei e não dar DINHEIRO para as escolas poderem implantar o que foi
sancionado. Que é o que vai acontecer, já que aqui é o Brasil.
Agora,
vamos às ilustradas opiniões da "gente de cinema":
Cláudio
Assis, diretor de filmes premiados pela crítica
"O
maior gargalo do cinema brasileiro é a distribuição. Fabricamos,
fazemos filmes, mas eles não chegam às salas, ficamos a ver
navios", diz o diretor de cinema Cláudio Assis. Seus
longa-metragens Amarelo Manga (2002), Baixio das Bestas (2006) e
Febre do Rato (2011) foram premiados em festivais de cinema nacionais
e internacionais e todos receberam o título de melhor filme por um
ou mais júri. As produções, no entanto, chegaram a poucas salas de
cinema no Brasil.
"Nas
escolas vamos ter a possibilidade de contribuir culturalmente para a
formação social, a possibilidade de educar a criança para um olhar
sobre a realidade brasileira, sobre o cinema brasileiro. O Brasil
precisa de formação de plateia", analisa Assis.
Sérgio
Rosizenblit, vice-presidente da APACI (Associação Paulista dos
Cineastas)
O informe da Ancine
mostra que foram 17 estreias de filmes brasileiros no primeiro
trimestre nas salas de cinema e apenas cinco tiveram mais de 100 mil
espectadores. Segundo o vice-presidente da Associação Paulista dos
Cineastas, Sérgio Rosizenblit, a maior parte da produção não é
exibida no cinema. Para se ter ideia, apenas em São Paulo estão
sendo produzidas 100 obras.
Rosizenblit diz que
existem grupos de trabalho discutindo formas de escoar melhor a
produção e que um diálogo mais próximo com as escolas poderá
entrar em pauta. Com o cumprimento da lei, o cinema brasileiro
chegará a mais de 190 mil escolas em todo o país, segundo o Censo
Escolar de 2013. O número é bem maior que o de salas de cinema,
que, de acordo com a Ancine, são 2.738 no Brasil. "As escolas
são essenciais. Vão multiplicar os espaços de exibição."
Na
boa, é ou não é a face do desespero? Parece que eles são
seguidores daquela velha filosofia: "Se não tem tu, vai tu
mesmo!"
Claudio
Assis não esconde que a única maneira dos filmes dele serem vistos
por uma grande quantidade de pessoas é obrigando crianças nas salas
de aula a os assistirem. E formação de platéia obrigando crianças
a ver um filme é como dizer que obrigar os alunos a lerem Machado de
Assis e Manuel Antônio de Almeida no ensino fundamental serve para
aumentar o número de vendas de livros nacionais.
Já
Rosizenblit é mais direto. Ele acha que as salas de aula brasileiras
fazem parte do parque exibidor nacional. Antes eram 2.738 salas de
cinema. Agora são 192.738 salas (de cinema, de aula, quem se
importa?) O pensamento é de dar vergonha em qualquer um que não
faça parte do meio do audiovisual ou esteja desesperado para
produzir ou exibir um filme.
O
que salta aos olhos é como esses dois profissionais estão tão
preocupados com seus umbigos que não conseguem ver que a maior razão
para se passar filmes em sala de aula, principalmente os brasileiros,
seria o ganho que isso traria para os alunos. A questão é, esse
ganho virá mesmo? Ou será apenas mais uma daquelas medidas
irrelevantes que os governos brasileiros (de todas as épocas) não
cansam de tomar para depois deixar que caiam no esquecimento? Não
precisa ser o Oráculo para saber a resposta. O cineasta brasileiro
quer ensinar com seus filmes, mas antes ele precisa aprender a ter
vergonha na cara.
Não
queria apelar para esse clichê, mas é o único que me vem a cabeça
agora: tem que rir para não chorar.
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