Di Moretti é roteirista e professor de roteiro. Entre seus roteiros podemos destacar "Latitude Zero", "Filhas do Vento", "Cabra Cega", "Simples Mortais", "Nossa Vida Não Cabe Num Opala" e "A Última Estação". Também co-dirigiu com Julio Xavier o documentário "23 Anos em 7 Segundos - O Fim do Jejum Corintiano".
1-Qual
seu Filme / Série / Livro favorito? (sim, é uma pergunta injusta e
cruel, mas serve como indicação para outras pessoas )
DI:
Concordo com você, este
tipo de pergunta é sempre reducionista, porque transforma algo
complexo e de difícil avaliação objetiva em simples
competitividade, em lista dos 10 melhores…. Tipo de iniciativa que
simplifica demais qualquer tipo de análise, mas vamos lá:
- Filme: "Laranja Mecânica" de Stanley Kubrick
- Série: "Mad Men" de Matthew Weiner
- Livro: "Cem Anos de Solidão" de Gabriel Garcia Marques
2-Se
pudesse citar apenas um livro ou manual de roteiro / dramaturgia,
qual seria?
DI: Vou citar
2, um deles nacional, de um roteirista pouco reconhecido entre nós:
- "O roteirista profissional – Televisão e Cinema" – MARCOS REY
- "Prática do Roteiro Cinematográfico" – JEAN-CLAUDE CARRIÈRE
3-Escolha
apenas um: Personagem, Trama ou Tema? (sim, outra pergunta injusta e
cruel, mas é legal para saber qual o foco de cada roteirista)
DI: Sempre o
personagem. Acho que através do desenho bem definido, bem
pesquisado, o personagem é o condutor da trama e de sua complexidade
e entendimento. Para isso, ele precisa ser excepcionalmente bem
construído, intuído, crível, múltiplo, imprevisível, amplo,
complexo, dinâmico…
4-Agora,
um filme nacional com roteiro para ser lido, relido e estudado
DI:
Vou citar 2, filmes mais contemporâneos, porque acho que podem, ou
pelo menos deveriam, estar mais frescos na memória dos cinéfilos:
- "O Invasor" de Marçal Aquino
- "Febre do Rato" de Hilton Lacerda
5-E
finalmente, um filme estrangeiro com roteiro para ser lido, relido e
estudado
DI: Não vou
ser original, mas quase TODOS do Billy Wilder, principalmente:
- Crepúsculo dos Deuses
- Se meu apartamento falasse…
- Farrapo Humano
- Quanto mais quente Melhor
6-Ao
escrever uma cena, o que é mais frequente aparecer para você: uma
imagem, um diálogo ou uma ação? Existe alguma hierarquia na sua
opinião?
DI:
Sempre
a imagem. O cinema é a arte da imagem. A literatura e o teatro são
artes da palavra!
7-Qual
o maior número de vezes que você reescreveu um roteiro? Qual era o
maior problema desse roteiro?
DI: O maior
número de tratamentos de um roteiro que já fiz foi de um filme
chamado "Estamos Juntos", aliás este não era o
título original que eu havia dado. Fiz 14 tratamentos, durante quase
8 anos. O problema maior era uma diferença de concepção entre eu e
o diretor. Ele achava que a trama deveria ser mais factual e
politizada, eu já achava que ela deveria ser mais lírica e poética.
Acabei saindo do projeto antes de seu término.
8-Quando
você enfrenta um bloqueio na escrita, o que faz?
DI: Adoro uma
frase do Luis Fernando Verisimo sobre o assunto. Ele diz que
"inspiração é 90% de transpiração e 10% de
desodorante!!!" Ou seja, acho muita frescura esta ideia de
falta de inspiração, de bloqueio craitivo, o que existe é falta de
perseverança, de trabalho, de suor e lágrimas, de tentativa e erro!
9-Você
tem um "leitor de confiança" para as coisas que escreve?
Se tiver, quem é e por que o escolheu?
DI: Tenho
alguns amigos, na maioria deles roteiristas, com quem compartilho
meus roteiros. Mas, a primeira pessoa para quem mostro meus escritos
é minha mulher, em quem confio plenamente, que não é do meio
cinematográfico, mas que tem a sensibilidade de uma boa leitora, de
uma boa cinéfila.
10-Costuma
fazer pesquisa? No que consiste a sua pesquisa?
DI: Pesquisa
é FUNDAMENTAL, seja para obra ficcional ou documental. Costumo dizer
que a "realidade dá 10 na ficção". Por mais que você,
como roteirista, se ache um gênio da raça, encontrar situações e
principalmente personagens na vida real, que possam te ajudar a
construir a trama ficcional, é imprescindivel!!! Separo 2 meses no
meu cronograma para fazer pesquisas, sejam literárias, iconográficas
ou mesmo de campo, como entrevistas e bate-papos com pessoas reais
que tenham o biótipo físico e psicológico dos personagens que
estou criando. Encontrar lugares, locações, tipos e personagens te
ajudam a escrever com maior credibilidade, profundidade. Depois de 20
anos de carreira posso afirmar que os roteiros ficam mais críveis e
completos com este tipo de trabalho.
11-Quanto
tempo demora geralmente para escrever um roteiro? Se cada caso for um
caso, dê um ou dois exemplos.
DI: Na média,
levo de 3 a 6 meses para escrever um roteiro de uma filme de ficção,
entre a pesquisa e os vários tratamentos. O que pode ampliar e, na
verdade, complicar este prazo é a segurança do diretor e a
eficiência da produção.
12-Qual
o maior defeito e a maior qualidade de um roteirista?
DI:
- Os
maiores defeitos de um roteirista são insegurança, ansiedade,
autocentrismo, vaidade e orgulho bobo, receio de expor e compartilhar
sua obra à criticas e observações. O profissional de roteiro deve
estar certo do que está fazendo, para onde está indo, de onde quer
chegar com sua trama e não se preocupar com criticas ou mesmo
suscetibilidades de expor seu roteiro à opiniões contrárias ou
adversas.
-As
maiores qualidades são observação, curiosidade, foco e senso de
oportunidade em captar as nuances de um bom personagem, de uma boa
situação, que às vezes está na frente de seus olhos, mas que
depende de sua sensibilidade para detectá-la. O roteirista é uma
grande esponja que absorve tudo que está ao seu redor e deve ter o
senso critíco para saber separar o joio do trigo.
13-Qual
é a melhor "escola" para um roteirista? Qual foi a sua
"escola"?
DI:
Como um roteirista, com mais de 20 anos de janela, e que
eventualmente se torna professor de roteiro, sou bastante pragmático,
anti-acadêmico e heterodoxo em relação ao ensino de roteiro. Acho
que cinema não se aprende na escola, mas sim no set, na vivência,
na tentativa e no erro da escrita… Só escreve bem quem escreve
muito… Só escreve bem quem lê muito… Só escreve bem roteiro
quem vê muito filme… Vê muito filme com olhos livres e sensíveis…
Como diz Billy Wilder, no último de seus 10 mandamentos do "bom
roteirista": "É
isso, não vagabundeie…"
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