Páginas

segunda-feira, 14 de julho de 2014

13 QUESTÕES PARA PAULO CURSINO


Paulo Cursino é escritor e roteirista com mais de 20 anos de carreira. Foi colaborador de programas de humor da TV Globo como "Sai de Baixo", "Os Caras de Pau", "S.O.S. Emergência" e "A Grande Família". Comandou quatro temporadas do seriado "Sob Nova Direção". Em cinema , começou roteirizando filmes para Renato Aragão como "O Trapalhão e a Luz Azul" e "O Cupido Trapalhão". Escreveu "O Diário de Tati" e "Odeio o Dia dos Namorados". Além disso escreveu "De Pernas Pro Ar" e "Até que a Sorte nos Separe", as maiores bilheterias do cinema nacional em 2011 e 2012, respectivamente. E as sequências desses dois filmes, sequências que, juntas, somaram mais de nove milhões de espectadores. Atualmente finaliza o roteiro de "Qualquer Gato Vira-Lata 2" e prepara-se para lançar sua primeira produção: "Um Candidato Honesto", com Leandro Hassum.

1-Qual seu Filme / Série / Livro favorito (sim, é uma pergunta injusta e cruel, mas serve como indicação para outras pessoas)?
Paulo: 
Livro: Dom Quixote de La Mancha. Cervantes não tinha medo de ser apenas engraçado, de abusar do pastelão, de exagerar na paródia, de se utilizar de violência gratuita, repetir piadas, nada. Ele confiou no seu conceito, e no seu personagem, e soltou a mão gerando uma obra-prima. Foi o livro que me fez entender o que de fato está em jogo quando se escreve uma sátira e de como dosar o humor.

Série: Os Simpsons. O desenho animado do Matt Groening é o Dom Quixote da cultura americana. Sem Os Simpsons não haveria um décimo dos desenhos e seriados que viriam depois calcados na irreverência e iconoclastia. As dez primeiras temporadas são obrigatórias e até hoje nas temporadas mais recentes há episódios primorosos. Vide o grande acerto do episódio sobre a Copa no Brasil. Continuam os melhores.

Filme: Quanto Mais Quente Melhor, de Billy Wilder. Admiro demais a ousadia, uma farsa que se mantém quase que por milagre. Você se envolve e acredita naquela loucura até o fim. A piada final é uma prova de fogo, impossível saber se aquilo funcionaria até ver o filme exibido numa sala cheia. Com Quanto Mais Quente Melhor aprendi que fazer humor é correr riscos e requer coragem sempre.

2-Se pudesse citar apenas um livro ou manual de roteiro / dramaturgia, qual seria?
Paulo: "Save the Cat" do Blake Snyder. O livro não é o mais avançado, nem o mais completo, mas ainda assim esclarece mais que muito "livro fundamental" por aí. Admiro demais a despretensão e clareza, vai direto ao ponto. O autor não precisa citar Aristóteles ou Campbell para fundamentar seus argumentos, não é obra de dramaturgo frustrado, mas sim de um experiente leitor de roteiros de Hollywood. Ler "Save the Cat" é quase como tomar chopp com um amigo roteirista que depois de duas tulipas lhe dissesse "cara, olha só, o personagem do seu roteiro está agindo feito um idiota, vê se acorda pra vida". Vale mais do que um workshop inteiro com o John Truby.

3-Escolha apenas um: Personagem, Trama ou Tema (sim, outra pergunta injusta e cruel, mas é legal para saber qual o foco de cada roteirista)?
Paulo: Personagem sempre, ainda mais em comédia. Muito mais fácil um bom personagem segurar uma trama, ou um tema revisitado, do que o contrário. Não que temas e tramas não sejam importantes. Mas se a balança do seu roteiro tiver que pender para um lado, que penda para o lado do personagem. Quando alguém se aproxima de mim dizendo que tem ideia para uma "trama incrível" em mãos, já ligo o alerta. Quase nunca vem algo de bom daí. Agora, quando me dizem "eu queria contar a história de um cara assim-assado, parecido com um taxista que eu pego sempre, mas ainda não tenho ideia da história", vejo muito mais futuro.

4-Agora, um filme nacional com roteiro para ser lido, relido e estudado.
Paulo: Acho delicioso o roteiro de Carlota Joaquina, da Melanie Dimantas e Carla Camuratti. Uma pena que seja tão pouco comentado ou mencionado pelos novos cineastas. Para mim, a comédia nacional se reencontrou ali, naquela trama leve, bem contada, irreverente, e tão nossa. Não à toa resultou no filme que marcou a retomada. Tanto o roteiro quanto o filme apontaram um caminho e pouca gente percebeu.

5-E, finalmente, um filme estrangeiro com roteiro para ser lido, relido e estudado.
Paulo: Já citei aqui, mas vai de novo: o roteiro de Quanto Mais Quente Melhor. Aula-mestra de ritmo, diálogo, personagens, de comédia, tudo. Obviamente eu poderia citar também o roteiro de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, que eu adoro, ou o de Um Peixe Chamado Wanda, ou mesmo de filmes mais recentes como Superbad ou o de Se Beber Não Case, ambos com ritmo mais atual e talvez até mais úteis para os novos roteiristas. Mas se tivesse que escolher apenas um, ainda assim ficaria com o do Wilder. Não é tanto a técnica o que você aprende ali, é mais pelo desprendimento e o modo de se encarar uma comédia. Poucos roteiros são tão completos.

6-Ao escrever uma cena, o que é mais frequente aparecer para você: uma imagem, um diálogo ou uma ação? Existe alguma hierarquia na sua opinião?
Paulo: Normalmente penso em imagens, mas nunca me deixo levar por isso. Não é bem questão de hierarquia, mas de estar atento às necessidades da sua trama. Sempre digo que quem determina a cena é a história, não o autor. Há momentos em que você precisa de uma grande imagem, outros de um grande diálogo.

7-Qual o maior número de vezes que você reescreveu um roteiro? Qual era o maior problema desse roteiro?
Paulo: O roteiro de "De Pernas Pro Ar" teve nove tratamentos. Foi o meu recorde e espero nunca mais batê-lo. O problema maior estava menos na história e mais no modo como trabalhamos com a produção e a direção. Era a primeira vez que fazíamos um filme juntos e foi muito exaustivo, mas valeu a pena, já que o roteiro funcionou desde a primeira leitura. Já em "De Pernas pro Ar 2", se não contarmos com um roteiro inteiro que jogamos fora, tivemos apenas cinco tratamentos. Entenda: acho reescrever importantíssimo, fundamental, nenhum texto sai de primeira. Mas tem que ter limites. Roteiro você não entrega, você abandona.

8-Quando você enfrenta um bloqueio na escrita, o que faz?
Paulo: Muito raro acontecer comigo, bloqueio é para quem tem tempo sobrando. Normalmente estou envolvido em dois ou três projetos ao mesmo tempo, até mais, então acho que quando estaco em um deles, nem sinto, pois parto para outro e tento render ao máximo ali. Quando me esgoto neste outro pulo de volta para o anterior ou vou para um terceiro. Se vale uma dica para escapar de um bloqueio, vai esta: escreva mais. Não pare. Escreva qualquer coisa, até post de facebook e twitter está valendo. Não transforme seu roteiro num desafio, ele não é o próximo grande romance da literatura ocidental, é apenas uma etapa para que um filme exista. Escrever um roteiro não pode ser um problema, tem que ser a solução.

9-Você tem um "leitor de confiança" para as coisas que escreve? Se tiver, quem é e por que o escolheu?
Paulo: Até tenho dois ou três amigos de confiança, mas raramente envio alguma coisa para eles lerem. Trata-se de uma deficiência minha, assumida, e não recomendo a ninguém que o faça. Normalmente prefiro comentar uma cena ou outra por telefone com um colega, ler uma sequência em que eu esteja com dúvida com outro, discutir se uma virada está funcionando com mais outro, e depois voltar a trabalhar. Acho mais prático. Tem muito a ver com a falta de tempo de todo mundo também, claro.

10-Costuma fazer pesquisa? No que consiste a sua pesquisa?
Paulo: Sim, pesquisa é fundamental. Vale de tudo: entrevistar pessoas, ler livros, revistas, internet, documentários, visitar lugares, fotografar, já fiz e ainda faço tudo isso. Roteirista que não pesquisa, que não sai de casa, não sabe o que está perdendo. Trata-se de uma das etapas mais fascinantes do trabalho e a que pode trazer mais novidades à sua história. Quando se trata de filmar em outras cidades ou países, por exemplo, não tem jeito, o autor tem que ir a esses lugares. Às vezes uma escadaria que você não sabe que existia pode render uma grande cena, um corredor de hotel uma grande piada, um costume local pode melhorar o final da sua trama e trazer um diferencial. Fiquei dez dias em Las Vegas pesquisando para o "Até que a Sorte nos Separe 2" e foi fundamental para o desenvolvimento da história. No meu próximo projeto minha história se passará em Cancun, embarco em agosto para lá.

11-Quanto tempo demora geralmente para escrever um roteiro? Se cada caso for um caso, dê um ou dois exemplos.
Paulo: "De Pernas pro Ar" levou oito meses da sinopse fechada ao tratamento final. Já no segundo filme tivemos mais tempo, mas como desperdiçamos um roteiro inteiro, então acabamos fechando o tratamento final em seis meses, que eu acho o mínimo necessário. "Até que a Sorte nos Separe" levou uns sete ou oito meses também. O segundo já foi em menos de cinco, algo totalmente kamikaze, não recomendo. O mais difícil é fechar a ideia e uma boa sinopse. Infelizmente é onde a maioria dos roteiros de cinema nacional peca. Poucos trabalham essa etapa como se deve e partem logo para o roteiro, tentam resolver tudo no diálogo. Fechar uma boa sinopse pode levar muito tempo, mas depois de resolvido, desenvolve-se uma escaleta em três meses e mais três meses para o restante. Mas isto é o mínimo e está muito longe do ideal. Por mim investiria pelo menos um ano em cima de cada roteiro. Mas nunca tive este privilégio.

12-Qual o maior defeito e a maior qualidade de um roteirista?
Paulo: A maior qualidade de um roteirista é a empatia, que é saber se colocar no lugar do outro. Não apenas em relação ao roteiro, aos personagens, mas fora dele. O fato de termos o domínio pleno da história não quer dizer que temos a resposta para tudo. Precisamos ser empáticos para entender como os outros membros da equipe, leitores, diretor e produtor, veem o nosso trabalho. O maior defeito é o oposto da empatia em seu extremo, a arrogância. Roteirista que se isola, que se abstém de ouvir os outros, está cavando o próprio fracasso.

13-Qual é a melhor "escola" para um roteirista? Qual foi a sua "escola"?
Paulo: A maioria de nós é autodidata, difícil encontrar dois roteiristas com trajetórias parecidas, então não dá para dizer que exista uma escola. Mas acredito muito na literatura e na nossa própria vivência. A literatura, principalmente a clássica, é um terreno vastíssimo de inspiração e de ideias e pouquíssimos roteiristas jovens se dão conta disso. A maioria se inspira apenas no que vê em outros filmes e seriados. Nada contra, mas é preciso ter muito cuidado para não repetir apenas o que você já assistiu. A literatura exercita mais seu olho de cena e pode trazer mais frescor ao seu texto. Eu abusaria desse caminho. Tenho paixão por contos e releio Tcheckov, Maupassant, Arthur Azevedo sempre que posso. Já a vivência é o que mais me fascina e a qual considero o mais importante. Para mim o melhor baú de um roteirista é a sua vida e a sua forma pessoal de encará-la. Isso não quer dizer que você deva escrever um roteiro sobre a sua história pessoal, o que é tolice. Você deve tentar colocar um pouco da sua vida e sua visão nos seus roteiros. Os formatos dos meus filmes são muito convencionais, são feitos assim de forma proposital e calculada, mas não tenho dúvidas de que é o que nós colocamos de real, de nossas vivências, o que fica na memória do público. Quando discuto uma história com outro roteirista, ou com o diretor, sempre brincamos que quase fazemos uma terapia. A ideia é essa. Algumas discussões de casal de meus filmes tiveram origem em histórias pessoais de amigos, vizinhos e conhecidos. A conversa entre os personagens Tino e Tio Olavinho de "Até que a Sorte nos Separe" foi uma conversa que tive com o meu pai há mais de vinte anos. O que eu sempre digo a todo jovem roteirista é que não basta ver bons filmes e saber arcos de seriados de cor, isto é limitador. Se quiser ser mais original, saia da frente da TV e do computador e viva. Passeie mais, vá a mais festas, namore mais, saia com os amigos, interaja com os vizinhos, converse mais com seus tios, com seus avós, com o porteiro do seu prédio, com o trocador do ônibus, com o caixa da padaria, com o máximo de pessoas possível, ouça conversas alheias em filas de banco, de supermercado, fique atento ao mundo. Se não quiser interagir simplesmente ouça. Só isso: ouça. Para mim não há e nunca haverá escola melhor do que esta.


Nenhum comentário:

Postar um comentário