Vou começar o blog com um texto
que poderia ser chamado de “monumento ao roteirista desconhecido” ou mais
propriamente “monumento a uma roteirista desconhecida”. Nos outros posts vou
tentar abordar mais a técnica do roteiro relacionada aos filmes, mas quis
começar com algo que falasse sobre um assunto que não é muito discutido, mas
que é muito importante para os roteiristas em geral: os créditos de um filme.
Lendo algumas críticas sobre o
filme “Pacto Sinistro” (Strangers on a Train) de Alfred Hitchcock, entre elas
uma da Pauline Kael, reparei que geralmente Raymond Chandler é dado como a
razão pela qual o roteiro e/ou os diálogos do filme são bons. Engraçado que nos
créditos do filme aparecem dois nomes. Raymond Chandler e Czenzi Ormonde.
Alguém já ouviu falar de Czenzi Ormonde? Exatamente. A primeira reação de
qualquer um de nós seria pensar que a razão da qualidade do roteiro do filme
seria a presença de Raymond Chandler no mesmo. O autor de “The Big Sleep” e
“Farewell, My Lovely”, sem dúvida é um selo de qualidade para qualquer roteiro.
No entanto, se as pessoas tivessem acesso as fofocas dos bastidores do filme
saberiam que a relação entre Chandler e Hitchcock foram péssimas.
O contrato de Chandler permitia
que ele trabalhasse em sua casa, fazendo Hitchcock ter que viajar para os
encontros onde se discutiria o roteiro. Encontros que Chandler detestava. Isso
não era novidade, já que a relação entre ele e Billy Wilder quando fizeram
“Pacto de Sangue” também foi conturbada. O método colaborativo que Hollywood
impunha ao escritor era penoso demais para ele, embora o dinheiro mais que
compensasse as agruras do trabalho. No entanto, dessa vez as coisas atingiram
um ápice, já que, como em todos os seus filmes, Hitchcock insistia em fazer com
que o roteiro se adequasse ao que ele queria fazer em termos visuais e de
decupagem. E segundo Chandler, isso prejudicava o seu trabalho. As visitas e a
interferência de Hitchcock o irritavam tanto que, de acordo com seu biógrafo,
Chandler se tornou mau-humorado, não cooperativo e agressivo. “Um dia, enquanto
esperava na porta da frente de sua casa enquanto Hitchcock saía de sua
limosine, Chandler falou para sua secretária: “Veja aquele bastardo gordo
tentando sair do seu carro!” A secretária o avisou que ele podia estar sendo
ouvido. “O que me importa?” replicou Chandler.”
Na entrevista que Hitchcock deu
para Truffaut há outros comentários:
Hitchcock - Sempre que eu
colaboro com um escritor que, como eu, especializou-se em mistério, thriller ou
suspense, as coisas não funcionam tão bem.
Truffaut – Você se refere a Raymond Chandler?
Hitchcock – Sim; nossa parceria
não funcionou. Nós sentávamos juntos e eu dizia “Por quê não fazer desse
jeito?” e ele respondia, “Bem, se você consegue fazer sozinho, para que precisa
de mim?” O trabalho que ele fez não foi bom e eu acabei chamando Czenzi
Ormonde, uma escritora que era um dos assistentes de Ben Hecht.
Na verdade, a maior parte do
crédito do roteiro desse filme deve ser dada a Czenzi, que além de ter escrito
esse roteiro foi, para seu crédito pessoal, assistente de Ben Hecht, um dos
maiores roteiristas da Era de Ouro de Hollywood. Outras pessoas que ajudaram na
escrita foram Barbara Keon, que trabalhava no estúdio de David Selznick e que
Hitchcock conhecia, além de Alma Hitchcock e o próprio Ben Hecht.
O próprio Chandler admitiu que
não tinha muito a ver com o resultado final quando recebeu uma cópia do
roteiro, meses depois de ter saído do processo de escrita do mesmo: “Hitchcock
conseguiu remover quase todos os traços do que eu escrevi.”
Mas é engraçado como um nome
desconhecido, ao lado de um conhecido, acaba empalidecendo e por que não dizer,
desaparecendo. E, ainda hoje, em alguns sites ou em um ou outro comentário
sobre o filme seja em revistas ou jornais, lá vem o resenhador entoar as
maravilhas que Chandler deve ter feito no roteiro para que ele ficasse com a
qualidade que ficou. Não é culpa de quem faz a resenha, já que o nome de Chandler
realmente está lá nos créditos de roteiro no filme, mas diz um pouco sobre o
modo como a crença em “nomes conhecidos” pode levar a erros e impressões
erradas.
No mundo dos roteiros
brasileiros, onde nove entre dez roteiristas são ilustres desconhecidos e o
décimo talvez você tenha ouvido falar, mas não tem certeza, diz um pouco sobre
o porquê do roteirista brasileiro ser tão subestimado por gregos e troianos.
Aqui no Brasil todo roteirista é Czenzi Ormonde.
OBS: As informações desse post
foram tiradas do livro de entrevistas que Truffaut fez com Hitchcock e de “The
Dark Side of Genius: The Life of Alfred Hitchcock” de Donald Spoto
Belo texto Maurício. Concordo que Infelizmente tem sido assim desde sempre, mas acho que só cabe a nós, os anônimos, lutarmos para mudar essa situação, não aceitando fazer parte de um projeto sem garantias mínimas de reconhecimento (leia-se credibilidade por parte do realizador). Abs!
ResponderExcluirEu acho que não é muito culpa dos projetos, seja quais forem, Sandro. Acho que tem mais a ver com o fato que o roteirista trabalha nos bastidores e faz um trabalho pouco divulgado. É mais o caso dos roteiristas saírem da sombra e mostrarem a importância do seu trabalho. É mais um caso de divulgação. Mesmo roteiristas que trabalham com pessoas de credibilidade acabam não aparecendo. A internet é uma boa ferramenta para mudar isso. Abraços e obrigado pelo comentário!
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