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segunda-feira, 13 de junho de 2011

A Força de um Nome

Vou começar o blog com um texto que poderia ser chamado de “monumento ao roteirista desconhecido” ou mais propriamente “monumento a uma roteirista desconhecida”. Nos outros posts vou tentar abordar mais a técnica do roteiro relacionada aos filmes, mas quis começar com algo que falasse sobre um assunto que não é muito discutido, mas que é muito importante para os roteiristas em geral: os créditos de um filme.
Lendo algumas críticas sobre o filme “Pacto Sinistro” (Strangers on a Train) de Alfred Hitchcock, entre elas uma da Pauline Kael, reparei que geralmente Raymond Chandler é dado como a razão pela qual o roteiro e/ou os diálogos do filme são bons. Engraçado que nos créditos do filme aparecem dois nomes. Raymond Chandler e Czenzi Ormonde. Alguém já ouviu falar de Czenzi Ormonde? Exatamente. A primeira reação de qualquer um de nós seria pensar que a razão da qualidade do roteiro do filme seria a presença de Raymond Chandler no mesmo. O autor de “The Big Sleep” e “Farewell, My Lovely”, sem dúvida é um selo de qualidade para qualquer roteiro. No entanto, se as pessoas tivessem acesso as fofocas dos bastidores do filme saberiam que a relação entre Chandler e Hitchcock foram péssimas.
O contrato de Chandler permitia que ele trabalhasse em sua casa, fazendo Hitchcock ter que viajar para os encontros onde se discutiria o roteiro. Encontros que Chandler detestava. Isso não era novidade, já que a relação entre ele e Billy Wilder quando fizeram “Pacto de Sangue” também foi conturbada. O método colaborativo que Hollywood impunha ao escritor era penoso demais para ele, embora o dinheiro mais que compensasse as agruras do trabalho. No entanto, dessa vez as coisas atingiram um ápice, já que, como em todos os seus filmes, Hitchcock insistia em fazer com que o roteiro se adequasse ao que ele queria fazer em termos visuais e de decupagem. E segundo Chandler, isso prejudicava o seu trabalho. As visitas e a interferência de Hitchcock o irritavam tanto que, de acordo com seu biógrafo, Chandler se tornou mau-humorado, não cooperativo e agressivo. “Um dia, enquanto esperava na porta da frente de sua casa enquanto Hitchcock saía de sua limosine, Chandler falou para sua secretária: “Veja aquele bastardo gordo tentando sair do seu carro!” A secretária o avisou que ele podia estar sendo ouvido. “O que me importa?” replicou Chandler.”
Na entrevista que Hitchcock deu para Truffaut há outros comentários:
Hitchcock - Sempre que eu colaboro com um escritor que, como eu, especializou-se em mistério, thriller ou suspense, as coisas não funcionam tão bem.
Truffaut – Você se refere a Raymond Chandler?
Hitchcock – Sim; nossa parceria não funcionou. Nós sentávamos juntos e eu dizia “Por quê não fazer desse jeito?” e ele respondia, “Bem, se você consegue fazer sozinho, para que precisa de mim?” O trabalho que ele fez não foi bom e eu acabei chamando Czenzi Ormonde, uma escritora que era um dos assistentes de Ben Hecht.
Na verdade, a maior parte do crédito do roteiro desse filme deve ser dada a Czenzi, que além de ter escrito esse roteiro foi, para seu crédito pessoal, assistente de Ben Hecht, um dos maiores roteiristas da Era de Ouro de Hollywood. Outras pessoas que ajudaram na escrita foram Barbara Keon, que trabalhava no estúdio de David Selznick e que Hitchcock conhecia, além de Alma Hitchcock e o próprio Ben Hecht.
O próprio Chandler admitiu que não tinha muito a ver com o resultado final quando recebeu uma cópia do roteiro, meses depois de ter saído do processo de escrita do mesmo: “Hitchcock conseguiu remover quase todos os traços do que eu escrevi.”
Mas é engraçado como um nome desconhecido, ao lado de um conhecido, acaba empalidecendo e por que não dizer, desaparecendo. E, ainda hoje, em alguns sites ou em um ou outro comentário sobre o filme seja em revistas ou jornais, lá vem o resenhador entoar as maravilhas que Chandler deve ter feito no roteiro para que ele ficasse com a qualidade que ficou. Não é culpa de quem faz a resenha, já que o nome de Chandler realmente está lá nos créditos de roteiro no filme, mas diz um pouco sobre o modo como a crença em “nomes conhecidos” pode levar a erros e impressões erradas.
No mundo dos roteiros brasileiros, onde nove entre dez roteiristas são ilustres desconhecidos e o décimo talvez você tenha ouvido falar, mas não tem certeza, diz um pouco sobre o porquê do roteirista brasileiro ser tão subestimado por gregos e troianos. Aqui no Brasil todo roteirista é Czenzi Ormonde.
OBS: As informações desse post foram tiradas do livro de entrevistas que Truffaut fez com Hitchcock e de “The Dark Side of Genius: The Life of Alfred Hitchcock” de Donald Spoto

2 comentários:

  1. Belo texto Maurício. Concordo que Infelizmente tem sido assim desde sempre, mas acho que só cabe a nós, os anônimos, lutarmos para mudar essa situação, não aceitando fazer parte de um projeto sem garantias mínimas de reconhecimento (leia-se credibilidade por parte do realizador). Abs!

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  2. Eu acho que não é muito culpa dos projetos, seja quais forem, Sandro. Acho que tem mais a ver com o fato que o roteirista trabalha nos bastidores e faz um trabalho pouco divulgado. É mais o caso dos roteiristas saírem da sombra e mostrarem a importância do seu trabalho. É mais um caso de divulgação. Mesmo roteiristas que trabalham com pessoas de credibilidade acabam não aparecendo. A internet é uma boa ferramenta para mudar isso. Abraços e obrigado pelo comentário!

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