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segunda-feira, 20 de junho de 2011

LOST - EU TAMBÉM VI (UMA PARTE PELO MENOS) PRIMEIRA PARTE


Criadores da Série: J. J. Abrams, Jeffrey Lieber e Damon Lindelof
Roteiro do episódio: David Fury

*O post ficou grande, então quebrei ele em três partes. Prometo fazer posts mais curtos daqui para frente, mas queria encerrar o assunto Lost na minha cabeça. E garanto que quem ler, vai achar que valeu a pena.
**Esse post contém SPOILERS do episódio Walkabout (quarto episódio) de Lost

Penso que para uma narrativa seriada funcionar, ela tem que funcionar tanto em relação a sua temporada quanto em relação a cada episódio separadamente, que tem que acabar e ao mesmo tempo deixar o espectador com vontade de voltar a ver a série em questão. Geralmente há duas maneiras tradicionais de se resolver esse problema. O primeiro é o de colocar “ganchos” no final de cada episódio, geralmente em relação a trama (mas podendo ser em relação aos personagens também). O exemplo clássico é o da novela, onde você tem as “cenas do próximo capítulo” e muitas vezes o episódio acaba com alguma questão dramaticamente forte, do tipo, “será que fulano vai morrer” ou “será que sicrano vai flagrar sua mulher com outro homem” e daí por diante. É claro que estou dando exemplos bastante óbvios e há maneiras de se fazer e questões para se colocar que são muito mais sutis para se compor um gancho dramático, mas a idéia permanece a mesma.

O outro jeito é fazer episódios fechados, que contém uma história que começa e acaba em si mesma e durante o episódio você vai colocar algumas sub-tramas que formariam “arcos dramáticos” durante a temporada, sejam eles arcos que durem alguns episódios ou arcos que emoldurem a temporada inteira (ou até a série inteira). Dessa forma você daria a satisfação para o público de se fechar uma trama, mas não todas as tramas, que seriam exploradas mais em profundidade durante a temporada ou a série inteira. Mas de qualquer maneira, haveria um fechamento claro em cada episódio.

Dentro dessa idéia de “fechamento” do episódio, entende-se por isso geralmente o fechamento da trama em seus “moldes clássicos”, no sentido de criar algo do tipo, “quem matou tal pessoa?” No final do episódio descobre-se o assassino, mas a série continua, já que ela não é centrada na descoberta de um assassino e sim no fato de que toda semana vai se descobrir um assassino (ou seja, é baseada no que o personagem principal faz e em quem ele é). Séries policiais muitas vezes se baseiam nesse modelo (com variações), como CSI, Cold Case, Law & Order, Monk e etc. e tal.

A verdade é que acabei de falar do beabá do negócio (e pode-se construir séries extraordinárias com esse tipo de estrutura). No entanto, à partir da segunda metade dos anos 90, as séries americanas começaram a ampliar de forma sistemática esses tipos de estrutura. Os exemplos mais conhecidos são as séries da HBO como Oz, The Sopranos, The Wire e Deadwood. Não que antes não tivesse havido séries que tenham tentado fazer isso, o fato é que eram mais raras. Hoje, muitas das séries que se consideram “ambiciosas” tendem a tentar explorar de forma mais sutil a imensa “área cinza” que existe entre a questão de se criar um gancho ou de se criar um fechamento para cada episódio através da trama, o que levou a uma nova atitude tanto dos roteiristas americanos quanto do público em relação a esses trabalhos.

Antes de continuar, devo dizer também que para mim, uma história não é apenas uma história e sim algo que produz um determinado efeito, seja ele qual for. Esse efeito, tem que de certa forma, agir tanto em relação ao que o espectador está pensando quanto ao que ele está sentindo. Eu diria até que pensar e sentir estão intimamente ligados, já que o que você sente depende do que você pensa e vice-versa, mas não quero entrar em discussões filosóficas ou neurológicas então paro por aqui. Só quero deixar claro que para mim, o mais importante numa obra de arte, seja ela qual for, é o EFEITO que ela causa em quem a vê e/ou ouve. E consequentemente, a IDÉIA na qual ele se baseia.

Mas vamos ao episódio.

Que começa com o personagem John Locke acordando na praia da ilha onde o avião onde ele estava caiu. Ele acorda em meio ao caos do momento depois da queda, algumas pessoas estão tentando salvar as que ainda estão presas dentro do corpo do avião e outras estão sofrendo, digamos assim, o “stress pós-traumático” do acidente. A história vai ser centrada em Locke, personagem que para mim foi o coração da série, pelo menos dos episódios que vi, já que admito que ainda não vi a série inteira (estou até em dúvida se vou ver, depois de tanta propaganda negativa).

Á partir daí a estrutura do episódio vai seguir a seguinte lógica: você tem duas linhas narrativas relativas ao personagem Locke. Uma delas no presente e outra no passado em forma de flashback. A linha do presente é definida pela descoberta de porcos do mato na ilha junto ao fato de que acabou a reserva de comida do grupo. John Locke se revela um provável perito em caça quando mostra para os outros que possui facas e um certo conhecimento do que é preciso para caçar os tais animais. A ação dessa linha vai ser centrada no objetivo de caçar os porcos, nos obstáculos em relação à caça e no comportamento de Locke, que vai se tornar obsessivo em relação ao fato da caça ao animal ser um “desafio pessoal” para si mesmo, que ele tem que cumprir de qualquer jeito, mesmo sozinho.

Já a linha do passado é definida pelo desejo e ação de Locke em torno de conseguir participar de uma expedição Walkabout na Austrália, onde ele iria, digamos assim, encarar o “mundo selvagem”.

Há algumas outras linhas narrativas pequenas no episódio:

1-O médico Jack tem a idéia de queimar os corpos dos mortos no avião para que não sejam devorados pelos animais da floresta. Num primeiro momento, para os outros, essa idéia parece cruel demais, mas para ele não. Durante o episódio ele vai se deparar com algumas situações e um personagem que vão tocar seu coração prático, fazendo com que ele pense um pouco sobre a ambiguidade dele ser um cara prático em relação a questões relativas a morte e ao mesmo tempo ser um médico, de quem as pessoas exigem uma humanidade fora do comum.
2-Sayid, com muito suór e de forma Macgyveriana (referência àquela série dos anos 80, MacGyver, onde o protagonista conseguia com uma chave de fenda, a correia de uma bicicleta e uma bala de hortelã montar uma bomba atômica), consegue montar um gadget, que pode ajudar o grupo a conseguir ajuda, mas durante a caçada ao porco do mato, Kate, que iria colocar a geringonça no topo de uma árvore, acaba por deixá-la cair e acaba com essa possibilidade. Imaginem como Sayid fica feliz ao saber disso.
3-Juliet, a irmã mimada de Boone (não me pergunte quem é Boone, você já deveria saber), decide conseguir comida do seu jeito: fazendo charme para Charlie, que parece ter um problema com drogas. Charlie consegue pescar algo para ela, mas Boone deixa claro para o mesmo que ele foi usado; a decepção o invade, fazendo com que ele volte novamente a usar a branquinha.

Ou seja, como uma bala dum-dum, cujo estrago causado se deve não só ao projétil, mas também a ponta que se estilhaça lançando outros pequenos projéteis no mesmo local, os episódios de Lost nessa época não obtiam seu efeito apenas do impacto principal, mas também dessas pequenas linhas narrativas frangmentárias que se espalhavam ao longo da narrativa geral, envolvendo um certo número de personagens e seus pequenos (grandes) dramas. Mas um episódio de série que tenha um grande número de sub-tramas não é o que Lost tem de melhor para oferecer, já que uma série como E.R., bem mais antiga que Lost, já fazia isso e com seis ou sete sub-tramas de uma só vez, pelo menos em sua primeira temporada. A especificidade de Lost na primeira temporada reside em outro lugar. Aonde?

Não perca no próximo capítulo...

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