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segunda-feira, 20 de junho de 2011

LOST - EU TAMBÉM VI (UMA PARTE PELO MENOS) SEGUNDA PARTE


Criadores da Série: J. J. Abrams, Jeffrey Lieber e Damon Lindelof
Roteiro do episódio: David Fury

*O post ficou grande, então quebrei ele em três partes. Prometo fazer posts mais curtos daqui para frente, mas queria encerrar o assunto Lost na minha cabeça. E garanto que quem ler, vai achar que valeu a pena.
**Esse post contém SPOILERS do episódio Walkabout (quarto episódio) de Lost

E aí chegamos aonde eu queria chegar: na revelação de personagem e na estrutura narrativa como um todo. E para isso vou ter que descrever os flashbacks da linha narrativa do passado de Locke com mais detalhes.

Num primeiro flashback, Locke parece ser um homem que tem experiência na caça e os primeiros momentos do primeiro flashback parecem confirmar isso quando ele é chamado de “Coronel” pelo telefone e parece estar discutindo tática militar. No entanto, uma primeira reversão de expectativa ocorre quando se descobre que Locke trabalha num escritório e que toda aquela conversa não tem nada a ver com o seu trabalho e sim com um tipo de jogo. Nesse jogo, ele é um homem de ação, um líder.

Num segundo flashback, já pegamos Locke no refeitório da empresa, jogando o tal jogo explicitamente, com o tabuleiro na mesa. Seu superior imediato, que parece ter prazer em humilhá-lo, encontrou uma revista na sua mesa falando sobre o Walkabout na Austrália. Locke está disposto a ir, mas seu superior diz que ele nunca poderá fazer uma coisa dessas. Locke se enfurece. Nesse momento, para o espectador, o superior de Locke é apenas um bully que quer botar ele para baixo e Locke, um nerd de meia-idade que talvez por nunca ter feito nada de mais na vida, inspire a sensação nos outros de que nunca seria capaz de encarar uma aventura pelos confins da Austrália. Ao mesmo tempo descobrimos que ele tem uma namorada chamada Helen, para a surpresa do seu superior.

No terceiro flashback Locke está deitado em sua cama falando pelo telefone com Helen. Ao convidar ela para acompanhá-lo na viagem e receber uma negativa, descobrimos que Helen não é sua namorada e sim uma profissional, talvez de disk-sexo ou coisa parecida para quem ele liga regularmente. A figura de loser de Locke está completa, já que a idéia que fica é que sua única possibilidade de conseguir uma mulher é através da requisição dos serviços de uma “profissional”. E é ingênuo o bastante para achar que ela vai aceitar ir para a Austrália junto com ele.

Ao mesmo tempo, todo mundo no episódio parece achar que ele não é capaz de fazer essa viagem, deixando-o mais enfurecido, o que para nós, mostra não só o pouco caso com que ele é visto, mas também o comportamento estranho de um homem que não deveria se abalar tanto com o que é falado. Locke causa uma certa identificação pelo fato de ter uma vontade forte, a de caçar o porco do mato ou fazer essa viagem, mas ao mesmo tempo parece ser um cara estranho e inseguro, já que se abala facilmente com a opinião dos outros e precisa se afirmar a todo momento dizendo: “Não me diga o que eu posso ou não posso fazer!”

Há algo de misterioso nesse personagem, ele tem qualidades e defeitos e está longe de ser perfeito. Mas mais do que isso, ele é rico. A cada reversão de expectativa você tem uma nova faceta de sua personalidade, sem que as premissas iniciais sobre ele sejam quebradas. Começando como um homem misterioso que pode ser um grande caçador ele passa a “Coronel” e então torna-se um funcionário medíocre de uma empresa onde seu superior tem a metade de sua idade; mais um pouco e torna-se um nerd de meia-idade jogando um jogo de estratégia onde pode sublimar seu desejo de ação e liderança para depois cair no humilhante papel de ingênuo cliente de uma atendente de disk-sexo, passando a imagem para os outros de que é um loser que não tem capacidade nem de fazer uma viagem aventuresca para a Austrália. É como se a cada flashback você tivesse um novo ponto de vista sobre o personagem que faz com que ele cresça sem que perca a coerência interna.

Enquanto isso, na outra linha narrativa, a linha que supostamente é a principal, já que é a linha do tempo presente e a linha onde a ação física e diretamente relacionada com a trama principal da série vai se definir (onde há a queda do avião e o grupo tenta sobreviver), John Locke consegue capturar e matar o porco do mato, missão a que tinha se proposto realizar custe o que custasse. Mas o mais intrigante é que todo o processo de encontro, captura e morte do porco do mato é suprimida da história. Uma grande elipse foi colocada no lugar, o que torna a estrutura narrativa desse episódio bastante ousada. Onde está a resolução do conflito dramático? Afinal, o problema colocado no começo da história não era o fato de que acabou a comida e alguém precisava achar um jeito de arranjar mais? O obstáculo principal da história não eram os obstáculos que Locke teria que enfrentar relacionados à caça ao porco? Não era essa a linha que continha o conflito mais importante do episódio? Não era esse o principal desejo de Locke e o objetivo de toda a sua ação?

Sim e não. Do ponto de vista do conflito dramático diria que sim, mas não em relação a revelação que está prestes a acontecer no último flashback da história, aquele que vai definir o porquê de Lost ser especial. Mas por quê Lost é especial?

Não perca no próximo capítulo...

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