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segunda-feira, 27 de junho de 2011

Os Sete Pecados Capitais de Besouro - Parte I

Roteiro de Patricia Andrade e João Daniel Tikhomiroff

*Contém SPOILERS do filme Besouro

A Máscara Incômoda do Filme de Gênero

Vamos encarar a realidade: se todo diretor brasileiro é um gigante de pés descalços, o filme de gênero é um prego enferrujado que desapercebidamente entra na sua carne enquanto ele anda na trilha de tijolos amarelos que vai levá-lo para o panteão do bom cinema comercial. Esse prego, meus amigos, machuca a sola do pé, fustiga o espírito e atormenta sua cabeça. Ele não pode fazer um simples filme narrativo, é simples demais; a comparação do seu filme com similares americanos deve fazer com que seu nariz vire para o lado, de desgosto e nojo. Ele tem que fazer algo mais. O filme de gênero não é nada mais que uma máscara incômoda para alguns diretores que vão se debater o tempo inteiro com essa carga inevitável que o cinema brasileiro colocou em suas costas.

Como Fazer um Filme de Ação

Adoro receita de bolo, por isso vou passar para vocês uma (entre tantas) que geralmente funciona. Os ingredientes são:

     1 Herói (mas tem de estar verde, de preferência irresponsável – supremo defeito da juventude – por que durante a preparação ele vai amadurecer)
     1 Mestre (pode entrar no começo ou no meio do filme, mas já tem que vir pronto para morrer em algum momento da história)
     1 Triângulo Amoroso (onde o herói é um dos vértices e a linha narrativa desse triângulo provavelmente vai modificar a linha da trama principal)
     1 Personagem Ambíguo (que pode parecer inimigo, mas se mostra amigo durante o decorrer do filme)
     1 Vilão Sutil (apesar de vilão, possui humanidade – geralmente só morre no final do filme)
     1 Vilão Grosseiro (é o que faz o trabalho sujo – pode morrer antes do final do filme)
     1 Final Satisfatório (o herói pode vencer ou se não vencer e morrer, de alguma forma haverá uma compensação para o público, como a luta dele ter dado certo)

Vamos fazer o check-list: Herói – Besouro (ok); Mestre – Mestre Alípio (ok); Triângulo Amoroso – Besouro / Dinorá / Quero-quero (ok); Personagem Ambíguo – Exu (ok); Vilão Sutil – Coronel Venâncio (ok); Vilão Grosseiro – Noca de Antônia (ok); Final Satisfatório – Besouro morre, mas através da sua luta inspiradora, os outros se estimulam a combater o Coronel (ok)

Besouro tem todos esses ingredientes. Então o que deu errado? Talvez se examinarmos o modo de preparação...

Modo de Preparar:

1-No começo Besouro prefere ficar jogando capoeira do que ficar em casa protegendo Mestre Alípio. Essa atitude irresponsável faz com que Mestre Alípio seja assassinado.
PROBLEMA: esse traço de personalidade de Besouro não é desenvolvido durante o filme; num filme similar americano (se for de qualidade) esse traço seria o grande problema de Besouro na trama e não a vingança por Alípio ou a luta pela liberação da capoeira ou contra o coronel. Ou não existiria e o filme se apoiaria em cenas de ação pura e em trama. No filme, depois de meia hora nem dá mais para lembrar que esse conflito existiu.

PRIMEIRO PECADO: Personagem sem o desenvolvimento de um conflito interior claro depende somente do conflito exterior e da trama para a criação do drama. Se não existe nem uma coisa nem outra, você está lascado.

2-Ainda no começo, Besouro está hesitante em relação a sua missão. Depois de entrar em processo empático com um sapo e ver Oxum debaixo da água, Mestre Alípio lhe diz: “Você está pronto para encontrar aquele que lhe mostrará o caminho”.
PROBLEMA: supostamente esse alguém é o Exu. No entanto, o único momento em que ele aparece e tem alguma fala é na sequência seguinte, onde Besouro e Exu lutam. No resto do filme, Exu fica apenas observando os atos de Besouro com um sorrisinho misterioso no rosto. Você não sabe o que Exu quer e nem se ele indicou algum caminho para Besouro. Descobrimos, no entanto, que Exu é ótimo para dar sorrisinhos misteriosos. Uma pena, porque a luta dessa cena é a melhor do filme e a cena que a contém é uma boa cena de filme de ação. Tão boa que dá a impressão que pertence a outro filme, onde há espaço para a luta, para o drama e para desenvolvimento de personagem, feitos de forma coerente, mas imprevisível.

SEGUNDO PECADO: Argumentação fraca exige diálogos e legendas que convençam o espectador do que se está querendo dizer.

Através das palavras, o filme tenta nos convencer daquilo que através das ações e imagens não seríamos convencidos, mas isso, no final das contas, não funciona. “Eu estou pronto”, “Chegou a hora” e etc. são repetidos no filme em momentos que poderíamos dizer: “ué, como é que ele ficou pronto?” ou então “que conveniente ele achar que chegou a hora nesse momento”.

3-Besouro bota fogo em um canavial do Coronel Venâncio. Besouro começa sua luta.
PROBLEMA: supostamente esse ato terrorista daria início a um plano, seja ele complicado ou rudimentar para mudar o estado das coisas. No entanto, o próximo passo dele é danificar a roda do engenho de Venâncio e o filme pára por aí. O problema não é ele ter feito isso ou aquilo, mas a gente saber o que se passa na cabeça do Besouro. O que ele quer, no final das contas? Saber o que ele quer fazer daria expectativa aos espectadores. Do jeito que está parece que ele vai simplesmente cometer atos terroristas até o final do filme sem que isso se torne alguma coisa concreta em relação aos seus objetivos.

TERCEIRO PECADO: A criação de objetivos ou planos para o seu personagem é importante não só para a sua construção, mas também para o espectador saber quando é que o filme acaba e consequentemente criar expectativa nos pontos principais da história.

Continua no próximo post...

2 comentários:

  1. Porra cara, aind anão assiti esse filme não e nem sei vou assisti-lo, mas a sua analise aqui cabe realmente de forma interessante, tanto que em minha mente veio diversos outros filmes em que não prendeu minha atenção, ou eu achei fraco por conta do aqui citado. ABraços

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  2. É verdade, existem outros filmes que caberiam nas críticas que fiz ao Besouro. São problemas recorrentes, principalmente em filmes nacionais.

    abraços

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