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segunda-feira, 27 de junho de 2011

Os Sete Pecados Capitais de Besouro - Parte II


Roteiro de Patricia Andrade e João Daniel Tikhomiroff

*Contém SPOILERS do filme Besouro

Continuando a lista dos pecados capitais de Besouro...

4-Coronel Venâncio, depois dos atos terroristas, vai até uma roda de capoeira, onde consegue um provável novo aliado, Quero-quero. No próxima cena onde Quero-quero aparece, de forma demasiadamente ingênua (quase inverossímel), ele começa a elogiar o Coronel para Dinorá, avisando que vai falar com ele.
PROBLEMA: o que Quero-quero fala com o Coronel e afinal de contas, qual o plano do Coronel para derrotar Besouro e qual seria a participação de Quero-quero nisso? Nas outras cenas do Coronel, todas elas são centradas no fato de que o que ele gosta mesmo é de ver o gingado das mulheres que trabalham para ele. O homem apresenta uma falta de vocação total para o coronelismo. Não sou contra isso acontecer no filme, mas do jeito que é apresentado, não é colocado de forma crítica e sim de forma inconsciente.

Como num oceano de águas paradas onde os náufragos bóiam ao sabor do vento, os personagens do filme parecem não ter planos de como desejam lidar com seus conflitos pessoais. O diretor esboça possíveis planos, mas não desenvolve, criando outras situações para resolver a história, prejudicando a fruição e coesão dos elementos, embora saibamos razoavelmente bem os meandros da história, já que, de certa forma, já ouvimos histórias semelhantes dezenas de vezes, só que melhor contadas. O problema principal disso é que o comportamento dos personagens claramente decorre das necessidades da trama e assim os personagens se enfraquecem.

QUARTO PECADO: Personagens criados para somente servir a trama se tornam incoerentes e dificultam identificação, consequentemente prejudicando o efeito geral do filme.

5-Depois de dar um pé em Quero-quero, Dinorá vai para os braços de Besouro. Quero-quero descobre que foi corneado. Em seguida, vai ao bar e encontra Noca de Antônia, acabando por revelar para ele o segredo de nosso herói de corpo fechado: faca de ticum pode matar Besouro. Depois da conversa no bar, ele vai falar novamente com Noca e acaba por matá-lo sem querer, já que os dois estão bêbados. Em seguida, Quero-quero vai falar com Besouro para tirar satisfações. Acaba levando um pau de proporções épicas, mas o estrago já está feito, já que o segredo de Besouro está revelado.
PROBLEMA: esse momento é bastante importante, já que é aqui que juntam-se as duas linhas narrativas do filme. É através da traição no triângulo amoroso que a linha narrativa principal vai se resolver, já que é através disso que os vilões descobrem que é com a faca de ticum que Besouro vai morrer. E não por acaso, é a sequência que tem mais problemas de coerência do filme.

Desde o começo, o namoro entre Dinorá e Quero-quero parece ser só de fachada e não convence. A mudança de namorado de um para o outro também é abrupta demais e parece ser feita apenas para atender demandas da trama e não dos personagens.
Quando Quero-quero vai falar com Noca depois da conversa no bar, nunca se sabe o que ele iria falar com ele e talvez nem o diretor e a roteirista saibam, já que essa situação só foi criada para que Quero-quero matasse Noca sem querer, ou seja, mais uma vez, demanda da trama e não dos personagens.
E outra coisa, afinal de contas, como Quero-quero sabe que a faca de ticum pode matar quem tem o corpo fechado? Todos os negros ex-escravos do local sabem disso? Então por quê o coronel não torturou alguém até conseguir a resposta? Ou todos os negros sabem desse segredo e o coronel não? Essa informação é importante, seria interessante colocar no filme.
Há uma questão fundamental no filme que é a localização de Besouro. O fato deles não saberem onde ele está é a única coisa que impede irem atrás dele, mesmo o Besouro tendo o corpo fechado. No entanto, depois da morte de Noca, é como se eles já soubessem onde está Besouro. Como descobriram uma informação tão importante e central para a narrativa?

QUINTO PECADO: Se informações importantes para a trama do filme não forem trabalhadas durante a história, em momentos cruciais do filme o espectador pode parar e dizer “ué, mas de onde veio isso”? E consequentemente a emoção que estava sendo criada vai para o ralo.

6-O Momento da Verdade chegou. O confronto final entre Besouro e o Coronel Venâncio acontece. Dinorá descobre que o Coronel está atrás de Besouro e vai atrás dele avisá-lo do perigo. Besouro diz que “chegou a hora” e entra em rota de colisão com  o Coronel Venâncio. No confronto, Besouro dá uma voadora no Coronel, que está a cavalo. Nesse momento, acontece um flash-foward e vemos Besouro acompanhando duas cenas: uma é a de um dos escravos, Chico Canoa, o que anda de muleta, enfrentar sozinho três bandidos. E no outro Dinorá arrebenta o Coronel Venâncio. Supostamente, inspirados por Besouro e acontecendo no futuro. Daí, ele volta para o presente, mostra-se que Besouro foi atingido pelo coronel com a faca de ticum e está nas últimas, sendo acolhido por Dinorá.
PROBLEMA: Quando o Coronel vai fazer o ataque final a Besouro e Dinorá avisa-o, ele fala que já sabe e que “chegou a hora”. É estranho ter chegado a hora justo no momento em que o Coronel empreende o ataque. Há uma passividade em Besouro por deixar que a “chegada da hora” tenha sido determinada pelo Coronel. Se o filme usasse isso ao seu favor, de forma crítica, não teria nada demais, mas a máscara do gênero faz como que se o filme quisesse passar a idéia de que Besouro é um herói ativo quando na verdade é o contrário. Parece falta de consciência do que se está dizendo.

SEXTO PECADO: Um protagonista com vontade fraca, sem objetivos claros, de ações que não criam expectativas e sem conflito interior deixa pouco material para ser trabalhado pelo roteirista.

7-No epílogo, o filho do Besouro está treinando capoeira. Vai se encontrar com sua mãe Dinorá, mas no caminho topa com Venâncio, dando uma “encarada” nele como bom besourinho que é. Em seguida, música triunfalista e legenda dizendo que a luta de Besouro deu certo.
PROBLEMA: Depois de Besouro ser morto de uma só vez no confronto com o Coronel, na primeira vez que os dois se enfrentam, o filme acaba de forma triunfalista, com o filho do Besouro dando uma “encarada” no mesmo e uma legenda dizendo que a luta de Besouro deu certo; que em 1937 a capoeira passou a ser tolerada; em 1953 foi totalmente liberada; e em 2008 foi decretada  “patrimônio cultural brasileiro”. Considerando que o filme se passa em 1924, as datas servem mais para mostrar como a sociedade brasileira demorou para tomar alguma atitude em relação a capoeira do que para mostrar como a luta de Besouro deu certo (considerando que Besouro foi um dos participantes dessa luta e não o principal). Parece haver uma certa forçação de barra para transformar Besouro no responsável por todos esses feitos, quando, depois dele morrer, demorou 13, 29 e 71 anos para acontecerem. O clima final do filme trata-os como se tivessem acontecido logo depois da morte de Besouro e em decorrência direta de sua morte. O final satisfatório supostamente está de acordo com o que um filme de ação tem que fazer. Mas de novo a argumentação é fraca, então a idéia não passa.

SÉTIMO PECADO: O erro é achar que se inserir no gênero do filme de ação já automaticamente deixa o filme comercial ou de gênero, quando na verdade o que importa em um filme de ação, além das lutas, é ele ser imaginativo e ter uma estrutura narrativa interessante que lide com os cânones do gênero, seja renovando ou mesmo copiando. Esse filme não fez nem uma coisa nem outra.

Não adianta usar a máscara do gênero apenas como desculpa, numa relação improdutiva e incômoda. O diretor desse filme, por não seguir certos cânones do filme de ação, se acha ousado, um artista fazendo um filme de gênero, mas talvez ele tenha feito o que fez simplesmente por quê não tem a mínima idéia de como contar uma história. Para ele, tudo o que fica diferente do cinema americano ou dos similares do gênero é bom. Não discuto essa questão, nesse caso é o tempo quem julga. Mas a minha opinião é que o diretor, nesse caso, usou uma máscara que não se adequou muito bem ao seu rosto.

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