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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Sobre Tema - Tubarão (1975) de Steven Spielberg


Roteiro de Peter Benchley e Carl Gottlieb de um romance de Peter Benchley
Monólogo do Indianapolis por John Milius, Howard Sackler e Robert Shaw

*Contém SPOILERS de Tubarão (1975)

Uma maneira de colocar um tema dentro de uma narrativa é fazer com que um ou vários personagens o "encarnem". A técnica é antiga, mas os efeitos podem ser surpreendentes. Em Tubarão, isso se observa em relação aos três personagens principais: o chefe de polícia Martin Brod, o caçador Sam Quint e o oceanógrafo Matt Hooper.

Todos eles encarnam a figura idealizada de um tipo de homem. Martin Brod é a representação do "middle man" spielbergiano, o homem prático e comum que consegue unir os opostos e superar as barreiras através disso. Sam Quint representa o homem agressivo, o caçador corajoso, em suma, o "macho". E Matt representa o homem da ciência, o estudioso.

À partir de um determinado momento, os outros personagens são colocados de lado para dar lugar a apenas quatro personagens. Martin, Sam, Matt e, é claro, o tubarão. Nesse ponto do filme começa a se delinear o caminho temático principal da história. Resumindo a matemática spielbergiana, Matt é o homem que pensa demais, Sam é o homem que age demais e Martin é o homem que reúne ação e pensamento atrás de uma solução. É, de certa forma, um pragmático. É o ideal spielbergiano de homem "comum" que é capaz de grandes ações.

A apoteose dessa representação vai acontecer no final do filme, onde os três personagens acabam por ter finais bastante condizentes com as suas características principais. Sam, que tenta ser mais agressivo que o animal mais agressivo dos sete mares, acaba numa orgia de sangue, sendo devorado pelo tubarão. Matt, depois de tentar se colocar dentro de uma gaiola de aço e ver a mesma ser estraçalhada pelo tubarão, vai até o fundo do mar e se esconde detrás de uma pedra, totalmente inerte. Ou seja, paralisa.

Sobra para Martin, o chefe de polícia pragmático, que reúne a capacidade de ação de Sam e um pouco do tutano de Matt. Isso lhe dá senso de oportunidade e quando o mesmo vê que entre os dentes do tubarão há uma garrafa de gás e ele tem uma espingarda em suas mãos, entra em cena o homem que faz a coisa certa na hora certa. O resultado, como todo mundo já viu, são os pedaços do tubarão pintando o mar de vermelho naquela tarde ensolarada de 1975.

De certa forma, o filme, nesse sentido, poderia se chamar "o triunfo do homem comum" ou "o triunfo do bom senso", tema que Spielberg iria tratar em muitos outros filmes, retratando o morador do subúrbio que por vias das circunstâncias acaba se metendo em situações extraordinárias e consegue sair delas usando o seu bom senso, que une ao mesmo tempo coragem e inteligência. Ele não é o mais corajoso nem o mais inteligente, mas consegue usar um pouco das duas qualidades para sobreviver, enquanto os outros personagens, que pendem demais para um lado ou para o outro, tendem a fracassar. Seja em "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" ou em "A Lista de Schindler", o padrão se repete.

Mas, por essa questão determinar a estrutura narrativa central do filme e ser seu tema predominante, Tubarão desenvolve isso de uma forma mais satisfatória e concisa, usando para isso apenas uma tríade de personagens: o chefe de polícia, o caçador e o oceanógrafo.

2 comentários:

  1. Boa análise. Talvez justamente por isso seja considerado por muitos o melhor filme dele. É um cenário simples que se encaixa perfeitamente na forma simplista que Spielberg vê (ou ao menos apresenta) as coisas. Só acho que isso passa a ser um problema quando se tem um tema um tanto complexo quanto o Holocausto ou a origem do terrorismo moderno. Nesse caso, tenho a impressão que a simplicidade vira sinônimo de superficialidade.

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  2. Acho que o mal nesse caso é a simplicidade quando entendida pelo cineasta como unilateralidade ou como meio de passar uma mensagem moral definitiva sobre o assunto (acredito que você esteja se referindo ao "Schindler" e a "Munique").

    Como exemplo, Dostoievski, nos Irmãos Karamazov, usa os três irmãos protagonistas do romance para simbolizar o corpo, a mente e o espírito humanos, em constante combate ideológico. O esquema, que é simples, originou uma obra extremamente complexa. Agora, se for para passar "a moral da história" ou usar os personagens como fantoches para isso, o cineasta acaba descaracterizando-os, tirando-lhes a ambiguidade (e o Spielberg em seus filmes "adultos" às vezes sofre desse mal). Aí, o conjunto acaba ficando simplório em vista da complexidade dos assuntos abordados.

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