Sylvio
Gonçalves é roteirista dos filmes "Sem Controle", "S.O.S.
Mulheres ao Mar", "Confissões de Adolescente", e da
série "As Brasileiras". Escreveu e dirigiu o curta
"Roleta", e é autor de um livro de curiosidades sobre TV e
três romances para jovens leitores. Foi crítico de cinema da
revista Cinemin e da Rádio MEC. Traduziu centenas de livros,
incluindo romances de autores como Mario Puzo e Ira Levin.
1-Qual
seu Filme / Série / Livro favorito? (sim, é uma pergunta
injusta e cruel, mas serve como indicação para outras
pessoas )
Silvio:
Eu sou incapaz de fazer uma lista de melhores filmes, mas não
tenho nenhuma dificuldade em apontar o meu favorito: "2001: Uma
Odisseia no Espaço", de Stanley Kubrick. Em relação a séries, a
minha primeira paixão foi a clássica "Além da Imaginação" / "The
Twilight Zone", 1959-1964, cujos episódios até hoje são verdadeiras
aulas de como contar uma história com economia de recursos e
duração. Quando participei do programa "As Brasileiras", realizei um
antigo desejo de escrever para uma série como "Além da Imaginação",
uma antologia com episódios de meia hora. Meu livro favorito é "O
Conde de Monte Cristo", de Alexandre Dumas, que tive o prazer de
adaptar para uma versão infantojuvenil, publicada na coleção Três
por Tr3s, da Atual.
2-Se
pudesse citar apenas um livro ou manual de roteiro /
dramaturgia, qual seria?
Sylvio:
“Making
a Good Script Great”, de Linda Seger. É
um guia para quem já escreve, e quer escrever com mais eficácia.
Sem impor fórmulas, Seger ajuda o roteirista a compreender os pontos
fracos de sua obra e como fortalecê-los.
3-Escolha
apenas um: Personagem, Trama ou Tema? (sim, outra pergunta
injusta e cruel, mas é legal para saber qual o
foco de cada roteirista)
Sylvio:
Uma boa trama pode ser adaptada a qualquer tema, e favorece a criação
de personagens complexos. O que seriam os protagonistas de "Romeu e
Julieta" sem o encadeamento de eventos que os conduzem por situações
irônicas e trágicas? Na minha opinião, grandes personagens são
consequências de grandes histórias.
4-Agora,
um filme nacional com roteiro para ser lido,
relido e estudado
Sylvio:
Nem sempre é fácil conseguir textos para estudo, e essa
dificuldade é ainda maior no que diz respeito ao cinema brasileiro.
Um dos filmes nacionais cujo roteiro mais me fascina é "O Pagador de
Promessas", que o Anselmo Duarte dirigiu em 1962. Acho que não é
possível encontrar o roteiro, mas ele é uma adaptação bem fiel da
peça de Dias Gomes, cujo texto já foi editado diversas vezes.
5-E finalmente,
um filme estrangeiro com roteiro para ser lido,
relido e estudado.
Sylvio:
Acho aconselhável estudar roteiros de filmes que você já
conhece bem. Quando me preparei para escrever o meu primeiro roteiro,
li e reli um dos tratamentos de Lawrence Kasdan para "Os Caçadores da
Arca Perdida". Ali aprendi que tecendo diálogos fluidos e elaborando
descrições vivas de ambientes e ação, você consegue vencer a
resistência do leitor em acompanhar um roteiro cinematográfico,
cuja leitura é prejudicada pela formatação pontuada por cabeçalhos
e rubricas.
6-Ao
escrever uma cena, o que é mais frequente aparecer para
você: uma imagem, um diálogo ou uma ação? Existe alguma
hierarquia na sua opinião?
Sylvio:
Cada cena pede uma abordagem diferente. Mas se for possível
transmitir uma ideia com uma imagem, essa sempre é a minha opção.
7-Qual
o maior número de vezes que você reescreveu um roteiro? Qual
era o maior problema desse roteiro?
Sylvio:
O texto que me deu mais trabalho foi o meu primeiro roteiro de
longa, que escrevi por iniciativa própria, apenas para aprender com
a experiência. Eu tinha uma protagonista que passava a maior parte
do tempo isolada do mundo, e era muito difícil transmitir ao leitor
as suas motivações e objetivos. Foi a primeira lição que aprendi:
se você não dispuser do recurso da narração, o seu trabalho será
mais fácil se criar um Sancho Pança para que o seu Don Quixote
tenha com quem conversar. Como era importante para mim que a
protagonista fosse solitária, eu reescrevi o roteiro 11 vezes,
buscando formas de transmitir suas emoções através de ações
físicas. Só parei quando fiquei satisfeito com o resultado. Essa
experiência de reescrever foi muito importante para mim a partir de
meu primeiro trabalho realizado sob encomenda, o longa "Sem Controle".
8-Quando
você enfrenta um bloqueio na escrita, o que faz?
Sylvio:
Depende. Se o “bloqueio” for um diálogo que está entravado,
como por exemplo quando você não consegue fazer o personagem
transmitir oralmente uma determinada informação, eu continuo
trabalhando. Eu reescrevo até que apareça uma palavra, frase ou
ordenação de pensamentos que me seja útil. Se o “bloqueio” for
uma falha no enredo, quando não está claro que rumo a história
deve seguir, eu paro de trabalhar e vou ocupar a minha mente com
outra coisa. O subconsciente continua focado no problema, e de
repente a solução aparece “do nada”.
9-Você
tem um "leitor de confiança" para as coisas que escreve?
Se tiver, quem é e por que o escolheu?
Sylvio:
É muito importante entregar o seu texto à leitura de alguém em
quem cuja opinião você confia, e que já conhece o nível de
qualidade que você é capaz de atingir. Minha esposa e dois amigos
próximos são meus leitores favoritos, ainda que a sinceridade deles
às vezes seja dolorosa.
10-Costuma
fazer pesquisa? No que consiste a sua pesquisa?
Sylvio:
Menosprezar a pesquisa é um erro comum entre roteiristas iniciantes.
Estudar os assuntos que serão abordados numa obra não apenas ajuda
o escritor a descrever ambientes e situações críveis, como também
estimula a sua criatividade. É impressionante como se pode ter boas
ideias para o enredo durante a fase de pesquisa. Qualquer dúvida que
eu tivesse a respeito disso mudou quando eu e o Rodrigo Nogueira
fizemos um pequeno cruzeiro de navio como pesquisa de campo para "S.O.S. Mulheres Ao Mar". Muitas de nossas melhores ideias para o filme
nasceram ali.
11-Quanto
tempo demora geralmente para escrever um roteiro? Se cada caso
for um caso, dê um ou dois exemplos.
Sylvio:
Varia de acordo com a situação. Para um primeiro tratamento -
sempre o mais trabalhoso - um mínimo de dois meses é razoável. Uma
elaboração completa de roteiro pode durar até seis meses. Mas
dependendo da urgência pode-se trabalhar com um prazo bem menor. Já
colaborei numa redação final de roteiro em duas semanas.
12-Qual
o maior defeito e a maior qualidade de um roteirista?
Sylvio:
Na
minha opinião o maior defeito de um roteirista é esquecer que o seu
texto não é o filme. O roteiro é uma fase intermediária na
produção cinematográfica. Não é o texto de um livro, que depois
de redigido pode ser publicado sem alterações. Lembrar disso ajuda
o roteirista a elaborar a melhor base possível para o filme que virá
a ser feito. A maior qualidade do roteirista é saber trabalhar em
grupo. Mesmo quando é o único a assinar o roteiro, ele é parceiro
do diretor e do produtor. A grande beleza do cinema é ser expressão
artística coletiva.
13-Qual
é a melhor “escola” para um roteirista? Qual foi a sua “escola”?
Sylvio:
Acho
que todo mundo que escolhe trabalhar com cinema começa a sua
preparação muito cedo, sem nem mesmo perceber. Desde criança eu
prestava atenção nas diversas formas como as histórias são
contadas nos filmes. Quando li pela primeira vez um manual de roteiro
comecei a sistematizar aprendizados que eu já vinha adquirindo. No
meu caso pessoal, cursar a faculdade de cinema também foi
importante, porque participar de filmagens de curtas me concedeu
alguma vivência de set, experiência muito útil para quem deseja
escrever audiovisuais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário